sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A VALSA BRASILEIRA - I - UM POUCO DE SUA HISTÓRIA







Muito mais do que um gênero musical ou uma dança, a valsa é um estado de espírito.
Entre nós, a valsa ganhou características próprias para distingui-las da valsa francesa, nascida nos fins do século XVI.
A valsa chegou ao Brasil em 1837 e os primeiros executantes procuraram tocá-la dentro do figurino original. A partir de 1870, quando surge o choro, os músicos brasileiros começam a tocá-las com jeito todo nosso. Esse comportamento novo, “made in Brasil”, será maior ou menor nos muitos compositores de valsas, como:
Juca Kalut (Camponesas, Sonhar Dormindo, Irene);
Viúva Guerreiro (Quando Penso em Ti, Amando até Morrer, Recordações do Passado);
Alfredo da  Rocha Viana, pai de Pixinguinha, (Serenata);
Alexandre G. de Almeida (Alice, Orgulhosa, Sedutora);
Azevedo Lemos (Amor e Lágrimas, Dilacerando Corações, Lírios e Rosas);
Costinha (Feliz com o teu Amor, Momento de Felicidade);
Artur Camilo (Ondas de Ouro, Souvenir du Bal);
Mário Álvares (Adelina, Eulália, Julieta);
Ernesto Nazareth  (Confidências, Genial, Julieta, Noêmia, Iolanda, Expasiva);
Luís de Souza (Missa de Amor, Georgina);
Anacleto de Medeiros (Farrula, Carolina, Predileta);
Pedro de Alcântara (Valmira, Amour et Progrès);
J. Garcia de Cristo (Estou amando, Como Elas Amam);
Alfredo Gama (Valsa dos que Sofrem, Valsa da Saudade);
Cupertino de Menezes (Rio de Janeiro);
Santos Coelho (Esfolhada, Lídia) e com Domingos Corrêa - Flor do Mal)
Irineu de Almeida (Bem te Quero, Cartolinha, Ruth);
Aurélio Cavalcanti (Altiva, 1915, Predileta);
Albertino Pimentel (Guilhermina, Mimansinha);
J. Ferreira Torres (Amor sem Medo, Manola, Narcotizadora);
Mário Penaforte (Baiser Suprème – com que o autor venceu um concurso     internacional de valsas realizado em Paris no ano de 1914);
Corujinha (Cora, Morrer por Ti);
Candinho Silva (Adozinda, Celina, Dalva).
Oscar A. Ferreira ( Clube XV)
Archibald Joyce ( Sonho de Outono)
Paraguassu (Manhã de Sol)
Freire Jr. (Revendo o Passado)
O. Rielli - J. Fernandes (Anel de Noivado)
Canhoto - (Abismo de Rosas)

A valsa sofreu a influência da modinha, embora conservando suas características rítmicas, tornou-se também uma forma de canção sentimental.  A partir de 1902, os cantores da Casa Edison gravam valsas: Mário Pinheiro , por exemplo, leva à cera, entre 1904 e 1909, Albertina de autor desconhecido (Odeon 40100) ;  Amorosa, versão de autor desconhecido da famosa valsa francesa Amoureuse, de Rodolpho Berger (Odeon 40486); e Clélia, melodia de Luís de Souza, com versos de Catulo da Paixão Cearense, reintitulada  Ao Desfraldar da Vela (Odeon 40490). Baiano grava entre 1913 e 1916, a valsa Despedida em lágrimas, música de J. Carvalho de Bulhões, letra de Alfredo Cândido (Odeon 120270), e a versão de Guttemberg Cruz da valsa Suplication, de W.J. Paans, reintitulada Último Beijo (Odeon 120984).
Em 1926, sai em disco, na voz de Pedro Celestino, a valsa de Erotides de Campos, versos de Jonas Neves – Ave Maria, composta dois anos antes em Pirassununga, Estado de São Paulo. Francisco  Alves começa a gravar valsas em 1927 com Suspirando, de Costinha (Odeon 10168-B) e nesse mesmo ano, grava Fim de Romance, de Bequinho (Odeon 10182-A). Em 1928, saem Quanto Sofri! (Pedro Sá Pereira); Olhos Japoneses (Freire Jr); Casanova  (P. Mimac); Castelo de Lua (Joubert de Carvalho); Amanhã (Oswaldo Cardoso de Meneses); Eu vivo assim (Eduardo Souto) e Falsidade (Careca).
Entram em moda, divulgadas pelo cinema, valsas americanas, e Chico Alves começa a gravá-las, entre 1928 e 1929. É a época de Arlete, Chiquita, Marion, Angelina. O surto da valsa parece arrefecer entre 1930 e 1931, mas já em 1932, Lamartine Babo faz uma versão de Dancing with tears in my eyes, gravada por Chico Alves  com o título de Dançando com lágrimas nos olhos. 
E chegamos a 1934, ano em que se inicia a fase de ouro da valsa no Brasil, período virtualmente encerrado em 1946. É em 1934 que se forma a primeira grande dupla de compositores do gênero: Francisco Alves e Orestes Barbosa.  E o próprio Rei da Voz, vai lançando valsas em discos inesquecíveis:  Dona de minha Vontade, Por teu Amor, Romance, A mulher que ficou na Taça (esta já designada valsa-canção). Em 1936, surge a dupla José Maria de Abreu e Francisco Matoso, de quem Francisco Alves gravaria Boa Noite Amor, Sevilhana, Napolitana, Barcarola;  e Orlando Silva, Horas iguais.
Em pouco tempo, a maioria dos grandes compositores havia aderido ao gênero: Cândido das Neves, Joubert de Carvalho (que já fazia valsas desde 1913), Lamartine Babo, Pixinguinha, Nelson Ferreira, Saint-Clair Senna, Ary Barroso, Alcir Pires Vermelho e as duplas J. Cascata-Leonel Azevedo, Pedro Caetano-Claudionor Cruz, Georges Moran-Cristóvão de Alencar, Paulo Barbosa– Osvaldo Santiago, Newton Teixeira- Jorge Faraj, Custódio Mesquita-Sadi Cabral, Nássara-J. Rui. Foi essa, sem duvida a fase mais romântica vivida pela música popular brasileira.
Praticamente esquecida durante muitos anos, a valsa foi relançada em 1971 por Vinicius de Morais e Chico Buarque com a maravilhosa Valsinha, que Chico incluiu em seu LP Construção (Philips 6349017).


  TORTURANTE IRONIA
(ORESTES BARBOSA - SILVIO CALDAS)
(gravação de Silvio Caldas e acompanhamento do Regional  de Benedito Lacerda em 78 rpm (Odeon 11241) lançado em março de 1935.

Que mágoa neste abandono
Que ânsia, perdi o sono
E vim, tristonho, cantar
Porque a canção mais aflita
É a forma que há mais bonita
Da gente poder chorar.

Tu sobes este barranco
Sujando o vestido branco
Pisando as pedras do chão
Mas sem saber, na verdade
Que desde lá na cidade
Tu pisas meu coração
Por ser do morro e moreno
É que eu soluço, é que eu peno
Bebendo o meu amargor.
Porque me negam, querida
Essa alegria da vida
De possuir teu amor.

Que torturante ironia
O amor com categoria
Eu amo e não posso amar
Porque a mulher que eu adoro
Não mora aqui onde eu moro
Deixem-me então soluçar.


Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira-1978- Abril Cultural
Imagens: Google



A VALSA BRASILEIRA - II - O PÉ-DE-VALSA

O PÉ-DE-VALSA




A valsa desembarcou no Brasil junto com a sensibilidade romântica, com as modas, com as primeiras ideias liberais, as quinquilharias e outras coisas que Paris, “a capital do século XIX”, nos enviava. E ao que tudo indica o ritmo não encontrou muita dificuldade para  registrar seu passaporte ao cotidiano  de nosso império encartolado. 
Em 1833, no “Jornal do Comércio”,  Laemmert e Cia.  anunciavam valsas do compositor austríaco Henri Herz (1803-1888). É dessa época o arranjo para piano e flauta com o qual o professor Maurício Dooltinger coloriu a “nova” Valsa Brasileira. Porém, a data que nossa historiografia sobre a música popular considera como a da instalação da valsa no Brasil é a de 1837, quando do lançamento da Coleção de Valsas do compositor Cândido Inácio da Silva  (tenor e tocador de viola), editadas na velha São Sebastião do Rio de Janeiro por Pierre Laforge. No ano seguinte o valsejar já era um hábito íntimo de certas camadas sociais, frequentando mesmo alguns bailes de máscaras.  “O Carapuceiro”, periódico de crítica de costumes editado pelo Padre Lopes Gama, no Recife, também fazia alusões à dança de salão que se inaugurava.
O costume de dançar valsas confundiu-se tanto com nossos bailes e com nossas emoções que originou um novo personagem o “pé-de-valsa” – apelido expressivo  do bailarino galante, exímio, irresistível.  A valsa também despertou, em anotações dispersas,  a imaginação arguta de Machado de Assis: “ Ninguém há que aprecie mais as mulheres do que nós;  mas aqui é difícil vê-las juntas sem fazê-las dançar e dançar com elas.  Uma só que seja, podemos dizer-lhe coisas bonitas, enquanto não ouvirmos uma valsa; em ouvindo a valsa, deitamos-lhe o braço à roda da cintura e fazemos dois ou três giros”.




A valsa também percorreu o imaginário dos poetas românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves, que a citaram em suas rimas.

O LAÇO DE FITA

                                                             CASTRO ALVES (ESPUMAS FLUTUANTES -1870)


Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...

Prendi meus afetos, formosa Pepita.

Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!

Não rias, prendi-me

Num laço de fita.



Na selva sombria de tuas madeixas,

Nos negros cabelos da moça bonita,

Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,

Formoso enroscava-se

O laço de fita.




Meu ser, que voava nas luzes da festa,

Qual pássaro bravo, que os ares agita,

Eu vi de repente cativo, submisso

Rolar prisioneiro

Num laço de fita.




E agora enleada na tênue cadeia

Debalde minh'alma se embate, se irrita...

O braço, que rompe cadeias de ferro,

Não quebra teus elos,

Ó laço de fita!




Meu Deusl As falenas têm asas de opala,

Os astros se libram na plaga infinita.

Os anjos repousam nas penas brilhantes...

Mas tu... tens por asas

Um laço de fita.




Há pouco voavas na célere valsa,

Na valsa que anseia, que estua e palpita.

Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...

Beijava-te apenas...

Teu laço de fita.




Mas ai! findo o baile, despindo os adornos

N'alcova onde a vela ciosa... crepita,

Talvez da cadeia libertes as tranças

Mas eu... fico preso

No laço de fita.




Pois bem! Quando um dia na sombra do vale

Abrirem-me a cova... formosa Pepital

Ao menos arranca meus louros da fronte,

E dá-me por c'roa...

Teu laço de fita.

  


Em 1835, o flautista francês Pierre Laforge estabeleceu no Rio de Janeiro uma Indústria de Músicas, na Rua da Cadea n.º 98. Contando com a cumplicidade das Casas de Diversões Públicas, ele passou a divulgar a valsa num circuito mais amplo. A dança que acertou nossos ponteiros com a moda europeia, inscreve-se na tradição das "valsas puladas", de origem francesa. José Joaquim Goyano e A. S. Queiroz foram autores de peças que conservaram, acentuadamente, esse sotaque francês. Depois de 1840, assiste-se à proliferação das valsas vienenses de Lanner e dos Strauss (pai e filho).
A entrada em cena, pouco mais tarde, da polca e da schottisch – apesar do sucesso que alcançaram – não abalou o status que a valsa tinha conseguido junto ao público brasileiro. No intervalo de tempo que separa a coroação de D. Pedro II da aurora republicana, podem ser encontrados três estilos particulares de valsas:
1º - aquelas que desenham tons brilhantes, em movimento lépido, aparecendo como modelares as composições de Lanner e Strauss;
2º - as valsas  que utilizavam, comumente, os tons menores, empregando grupos de colcheias seguidas de notas de repouso (procedimento  já irrevogavelmente ancorado na musicalidade brasileira).
3º - a valsa de andamento  mais lento, podendo, inclusive, estampar uma ambiguidade modal.
Essas modalidades estiveram associadas à pulsação que nos habituamos a ouvir nas ruas, uma vez que foram utilizadas periodicamente pelas bandas de música, nos desfiles ou nos coretos domingueiros.
O gênero valsa tem sido fruído de várias maneiras, ora como dança de pares enlaçados, ora como música instrumental ou como canção. Traduzida pelos chorões antigos ela conquistou uma musicalidade brejeira e plangente, bordada pelos violões que acompanhavam o instrumento solista. Da fase heroica do choro (quando a valsa também era considerada choro) até hoje, forma-se uma tradição fecunda de instrumentistas que acomodaram sua sensibilidade nos moldes da valsa. Luar de Coromandel e Vânia, de Abel Ferreira, são exemplos eloquentes.
Foram os pianistas amadores, principalmente através da execução mais livre (facilitada), os primeiros  a dar coloração abrasileirada à valsa, ainda mal chegada do estrangeiro. Nessa adaptação da valsa para a pianística local salientaram-se Isidoro Bevilacqua e Arthur Napoleão (sobre o qual dizia Machado de Assis, em “A Semana”:  “ É assim que eu admiro música; basta ver o Arthur Napoleão parado”.
Escrevendo suas valsas numa literatura “pianeira” mais elaborada, burilada com maiores requintes sonoros, surge Ernesto Nazareth, que preservou em suas peças o esquema inicial da valsa alegre e dançante de salão.  São dele, por exemplo, Crê e Espera, e Genial (que apresentam a estrutura do minueto de três seções, além de uma vigorosa pulsação do primeiro tempo do compasso, seguida de harmonia em acordes “placados”, em nítida alusão à matriz europeia desse gênero musical).
Helena e Confidências, também de Ernesto Nazareth acusam cacoetes musicais retirados da tradição popular brasileira, mas não abandonam os gestos eruditos e vinculados à sugestão da dança giratória imigrante.
Outro chorão famoso que perambulou pela valsa foi o mestre Anacleto de Medeiros, fundador e regente da histórica Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, autor das peças Terna Saudade e  Despedida.
Em contato com a nossa modinha imperial, a valsa recebeu a aderência de suas técnicas, mantendo contudo sua periodicidade rítmica original, fixando os compassos ¾. Ambas são gêneros musicais que tanto passearam por saraus e salões nobres quanto se tornaram  adequadas à expressão do imaginário popular. A valsa de timbre aristocrático, dos bailes mais elegantes, possuía uma modulação central (a melodia, na primeira parte, passava do tom principal para o da dominante, retornando e concluindo  na tônica, na segunda parte). Esse modelo se evapora na apropriação  popular da música de dança: sua melodia refere-se a uma tonalidade, aceitando, de vez em quando, tensões modulantes mais livres. As insinuações da modinha, a adulteração de seu andamento inicial, criaram, entre nós, condições para a adequação da valsa ao canto, gerando a valsa-canção.

A VALSA –

                                         CASIMIRO DE ABREU



Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos, 
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!

Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!

Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!






Fonte; Youtube: PAULO AUTRAN - DECLAMA - A VALSA - CASIMIRO DE ABREU

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira - Abril Cultural - 1978
poesias: Google

A VALSA BRASILEIRA - III - A VALSA NO CIRCO SPINELLI E NO CINEMA ROYAL





Catulo da Paixão Cearense, com os versos que colava às melodias da época, foi um dos principais responsáveis pela difusão e formação da valsa-canção. De sua autoria são os poemas da música Terna Saudade  (gravada por Vicente Celestino) e da famosa Clélia, cuja tessitura musical foi desenhada pelo grande trompetista chorão Luiz de Souza.
Em 1914, a maneira valsejada de cantar já tinha se tornado uma das vozes mais requisitadas da  lírica popular brasileira. Uma das músicas mais famosas daqueles dias veio do Recife: a Valsa dos que Sofrem, de Alfredo da Gama, interpretada por um duo conhecido como Os Orestes, que excursionava por todo o país.  Sombra do sucesso da Valsa dos que Sofrem  era Flor do Mal, de Santos Coelho, até hoje uma das peças mais conhecidas do gênero.  Por essa época, era comum  a música aparecer acompanhando representações cênicas nos teatros e circos. Também servia de fundo sonoro para as imagens do cinema mudo.
No Circo Spinelli, apresentavam-se  destacados praticantes da sentimental valsa-canção, como Catulo e o palhaço e cantor Eduardo das Neves; a valsa Royal Cinema refere-se a homônima sala de exibição de fitas do Recife, como testemunho histórico desses primeiros namoros entre a música e as imagens industrializadas.
O cinema falado foi um dos grandes culpados da transformação: a partir dos anos 20, a valsa participou de nossos desejos e alumbramentos, principalmente através das trilhas de filmes americanos. Movidos por essa circunstância, onde não se precisam claramente os limites entre a imitação servil e as exigências de um sentimento estético profundo, nossos compositores adotaram a valsa com entusiasmo. Essa tendência se acentuou depois do alarido causado pelo sucesso de Dançando com lágrimas nos Olhos, versão de Lamartine Babo  para Dancing with tears in my eyes, gravada em 1932 por Francisco Alves.  Como efeito contrário, adormecendo um pouco o uso da valsa, o cinema falado incentivou a voga do fox-trot, que, como comenta Noel Rosa, compareceu nos repertórios das gafieiras, obrigando o malandro a dançar “dando pinote”.
Datam ainda da década de 20, as valsas lentas de Erotides de Campos:  Melodia da fé, Vera, Dá-me o teu Coração, Ave-Maria e outras, algumas com versos de Jonas Neves.  Natural de Cabreúva, SP. (Erotides nasceu em 15 de Outubro de 1896 e faleceu em Piracicaba, SP, em 20 de março de 1945).




Fonte:  Youtube - FRANCISCO ALVES - O REI DA VOZ-  AVE MARIA - (EROTIDES CAMPOS, COM VERSOS DE JONAS NEVES)  

Grande compositor de valsas desse período, tendo seu nome associado ao choro Tico-Tico no Fubá,  é José Gomes (Zequinha) de Abreu.  
Considerado, ao lado de José Maria de  Abreu e de Gastão Lamounier, um dos mestres  do gênero, Zequinha de Abreu nasceu no interior paulista, em Santa Rita do Passa Quatro, em 19 de setembro de 1880.  Em 1896, não suportando mais o Seminário Episcopal, Zequinha de Abreu fugiu, voltando à cidadezinha natal. Foi então que compôs Flor da Estrada, sua primeira valsa.  Pouco depois, já se exercitando em outros gêneros (tangos, choros, foxes, marchas)  e trabalhando na farmácia do pai, organizou a Lira Santarritense e a Orquestra  Smart, que se apresentavam no cinema do mesmo nome.  Em 1913, em homenagem à filha do chefe da estação ferroviária da cidade, suspirou a valsa Branca, antológica entre as valsas instrumentais.
Em 1920, Zequinha de Abreu transferiu-se definitivamente para são Paulo. Inicialmente, como pianista, encantou os clientes da Casa Beethoven; depois trabalhou na orquestra do Bar Viaducto. Excelente pianista e compositor ainda se virava como uma espécie de músico ambulante, percorrendo as residências de gente rica, tocando e vendendo as partituras musicais.
De sua obra e, dentre os vários gêneros, vale citar as valsas Beijos ao Luar, Minha Valsa, Rosa Desfolhada (em parceria com Dino Castilho), Alma em Delírio e Último Beijo.

Em 1934 inicia-se um período reluzente da valsa no Brasil. E é justamente nessa bela época do gênero  que se encontra a obra maior de José Maria de Abreu, talvez a figura mais importante dessa modalidade de canção popular.
José Maria de Abreu nasceu em Jacareí, SP, no dia 7 de fevereiro de 1911. Seu pai era maestro e seu professor. Aos 11 anos, José Maria de Abreu era primeiro pistão da bandinha de seu colégio, tendo, inclusive, composto o hino do estabelecimento. Aos dezesseis anos ocupou a vaga de maestro de uma companhia de teatro de revista que peregrinava por sua cidade, ganhando seus primeiros tostões com a música.  Sua oportunidade como regente de uma orquestra mais requintada deu-se no Teatro Boa Vista,  em São Paulo.  Fixando-se na capital, começou a viver profissionalmente de música, trabalhando como pianista nas casas Sotero Gaó e Di Franco. As primeiras gravações de músicas compostas por José Maria de Abreu ocorreram  nas vozes de Francisco Alves e Paraguassu.Em 1933 José Maria mudou-se para o Rio de Janeiro, esparramando os acordes do seu piano entre os ouvintes da Rádio Mayrink Veiga; a partir do ano seguinte, forma com Francisco Matoso uma das parcerias mais fecundas em qualidade e quantidade que a valsa já permitiu. A dupla é responsável por algumas das melhores faturas que o gênero conheceu entre nós, produzindo canções definitivamente incorporadas pela musicalidade brasileira: Boa Noite amor (1936), Horas Iguais (1937), Alguém (1938), Ao Ouvir esta canção, hás de pensar em mim (1940).
Na companhia de outros parceiros,  José Maria de Abreu – a quem o pesquisador e crítico Ary Vasconcelos chamou de o “Rei da Valsa” – conservava seu profundo sentido musical, do qual são documentos  suas composições com o genial Lamartine Babo -Mais uma Valsa... Mais uma saudade, Uma valsa Azul e Valsa da Formatura; e com Osvaldo Santiago  e Paulo Barbosa,
Italiana, em 1936, e Torre de Marfim, 1938.
Quando soaram na voz de um Dick Farney, os primeiros sinais da radical mudança musical que, anos mais tarde, iria acontecer com a bossa nova, José Maria de Abreu estava presente, compondo com Jair Amorim as conhecidas Um Cantinho e Você, Ponto Final  e Alguém como tu. Por essa época, a valsa-canção encontrava – ao tematizar o desencontro amoroso, a solidão, a saudade, enfim, ao se valer de um certo lirismo romântico  - concorrentes decididas em outras conformações rítmicas, como o bolero ou o samba-canção.

BOA NOITE, AMOR
José Maria de Abreu e Francisco Matoso
( gravada em 3 de abril de 1936) por Francisco Alves e Orquestra Victor Brasileira – 78 rpm – RCA Vitor n.º 34052.
Quando a noite descer
Insinuando um triste adeus
Olhando nos olhos teus
Hei-de, beijando teus dedos, dizer
Boa Noite, amor
Meu grande amor
Contigo eu sonharei
E a minha dor esquecerei
Se eu souber que o sonho teu
Foi o mesmo sonho meu
Boa Noite, amor
E sonha enfim
Pensando sempre em mim
Na carícia de um beijo
Que ficou no desejo
Boa noite, meu grande amor.