quarta-feira, 13 de junho de 2012

100 ANOS DE LUIZ GONZAGA - PARTE I


Meu nome é Luiz Gonzaga
Não sei se sou fraco ou forte,
Só sei que graças a Deus
Té pra nascer tive sorte
Apôs nasci im Pernambuco
Fanmoso Leão do Norte

Nas terras de novo Exu
Da fazenda Caiçara
Im novecentos e doze
Viu o mundo minha cara

Dia de Santa Luzia
Purisso é qui só Luiz
No mês qui Cristo Nasceu
Purisso é qui sô feliz

                                                        PARTE I

 - é macho, com documento e tudo – anunciava Januário, feliz com o nascimento de seu segundo filho, do total de nove que teria ao longo dos anos.
Filho de Januário José dos Santos e de Ana Batista de Jesus, mais conhecida como Santana, Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu no dia 13 de Dezembro de 1912, dia de Santa Luzia. O Lugar- a Fazenda Caiçara ( hoje Araripe) terras baixas do Barão de Exu, a 3  léguas da cidadezinha de Exu, no sopé da serra do Araripe, em pleno sertão pernambucano.
Januário era cabra do Barão, pronto para defender seu latifúndio de bacamarte na mão. Trabalhava na roça e, nas horas vagas, consertava sanfonas. Era sanfoneiro respeitado em toda a região. Sempre que havia um forró, Januário era chamado para animar o baile.
Luiz com sete anos já pegava sua enxada, mas preferia ficar olhando o pai arrumar sanfonas e observar como se tocava aquele instrumento.
Um dia, o pai na roça, Santana na beira do rio, Luiz pegou uma sanfona velha e começou a tocar. Com poucas tentativas já conseguia tirar melodias do instrumento. Foi quando a mãe chegou e deu-lhe um safanão. Não queria um filho sanfoneiro que se perderia pelo sertão. Mas Januário gostava das tendências musicais de Luiz. Deixava o filho ir tocando as sanfonas que vinham de longe para serem consertadas. Só se assustou quando Miguelzinho, dono de terreiro muito concorrido, pediu licença para Luiz tocar num baile. O menino, irrequieto e cheio de iniciativa, já andara tocando por lá, sem que Januário soubesse, fazendo grande sucesso.
- Fale com Santana, ela é que resolve – disse Januário, ao mesmo tempo orgulhoso e temeroso pelo filho.
Santana a princípio negou, mas depois resolver deixar na mão dos homens o assunto.
Naquela noite Luiz tocou com todo entusiasmo, agradando em cheio. A partir de então passou a acompanhar Januário pelos forrós daquele sertão. Santana discordava, mas acabou se calando diante dos mil réis que o menino ganhava revezando-se com o pai na sanfona.
Luiz gostava daquela vida: das festas de São Bento, dos sambas da Chapada do Jirome ou do São João do Araripe, onde aprendeu também a tocar zabumba, caixa e pife (pífaro); mas as festas do Bom Jesus no Exu eram o que mais lhe atraía. Havia também as festas da padroeira de Granito, as feiras do Baixio dos Doidos, de Rancharia, e os sambas no pé da serra, na Cajazeira do Faria, pra onde se ia a pé torando 12 léguas de ida e outras 12 de volta.
Luiz declara: “ fui um moleque feliz; no sertão, todo moleque que não vive  no domínio de senhores perversos é feliz”.A pobreza tem suas compensações: a liberdade ampla, a natureza imensa, os banhos de rio, caçadas no mato.
Menino do sertão, Luiz admirava os cangaceiros e só poderia ter um ídolo: Lampião. Sonhava com aventuras, imaginava-se no bando famoso. Até que um dia:
- Corre. Corre. Lampião vem aí. Luiz ficou contentíssimo, mas Santana deu-lhe uns puxões. O pessoal da Caiçara estava fugindo para um capão cerrado, pois Lampião ia passar por ali. Carregavam tudo o que podiam apavorados com as estórias que se contavam do cangaço. Passados três dias de esconderijo, precisavam saber se os bandidos já haviam cruzado a Caiçara. Quem teria coragem de ir dar uma olhada?
- “eu tenho... se mãe quiser...”.
E lá se foi Luiz, olho aberto nas curvas da estrada. Nada de Lampião.
Resolveu então brincar:
- “corre gente, arruma as trouxas, Lampião vem aí com seus homens.” Foi aquele alvoroço, ninguém sabendo para onde ir. Diante de tanta confusão Luiz soltou uma gargalhada e todos logo perceberam o logro. Ganhou uma das maiores surras de toda sua vida.
Luiz Gonzaga era afilhado de Dona Neném e João Moreira de Alencar, gente rica do lugar. O coronel Manuel Aires de Alencar protegia Luiz.
Sinhô Aires era homem bondoso e respeitado, e as filhas do coronel ensinaram a Luiz as poucas letras que aprendeu: assinar o nome, ler uma cara e escrever outra. Ensinaram-lhe a falar correto, comer direito e boas maneiras.
Foi Sinhô Aires que realizou o grande sonho de Luiz: ter uma sanfona só para si.  O instrumento, uma harmônica amarela marca “Veado” custava  120$000 e Luiz tinha economizados 60$000. O coronel pagou o resto. Mais tarde, foi reembolsado por Luiz com o fruto de seu trabalho de sanfoneiro.
O primeiro dinheiro ganho com a sanfona foi no casamento do seu Dezinho Ipueira: ganhou 20$000 e foi nessa festa que sua fama de bom sanfoneiro começou a fixar-se, pois ganhou de Mestre Duda, o sanfoneiro mais respeitado da região, o elogio: “esse menino é um monstro pra tocar”.
Quando descansava da sanfona, Luiz dançava, namorava e entrou para um grupo de escoteiro em Exu, e até comprou uma peixeira para tirar satisfações com o Sr. Raimundo Delgado, pai de sua namorada Nazinha que não aceitou o pedido de namoro, e foi conversar com Santana e o resultado foi outra surra no valentão. Quando se recompôs, Luis fugiu para o mato e depois foi para a cidade de Crato onde vendeu o seu fole e decidiu entrar para o Exército. Tornou-se o recruta 122 numa época violenta: a Revolução de 1930 que estourava no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba.
O batalhão de Luiz seguiu para a Paraíba, aderindo aos revoltosos na cidade de Souza. Os meses seguintes foram de missões ao Pará, interior do Ceará e Teresina, agora em defesa da revolução vitoriosa. Na capital do Piauí, Luiz, que estava prestes a dar baixa, conseguiu engajamento e foi para o sul: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campo Grande e Juiz de Fora.
Luiz tinha agora um apelido: Bico de Aço,  tornara-se corneteiro muito competente. Com a sanfona tivera um reencontro muito triste: foi tocar na orquestra do quartel, o maestro falou:
- Gonzaga, dá um mi bemol aí.
- Mi bemol? Que diabo é isso?
E assim o bom sanfoneiro do Exu ficou de fora da orquestra: não sabia nem a escala musical. Mas decidiu aprender. Mandou fazer uma sanfona com o Sr. Carlos Alemão e começou a estudar com Domingos Ambrósio, o Dominguinhos, famoso sanfoneiro de Minas. Aprendia o mi bemol e as músicas que se tocavam no centro do país: polcas, valsas e tangos. Luiz vai a São Paulo em busca de um fole melhor.
Os tempos de caserna estavam no fim; uma nova Lei proibia que Luiz ficasse mais de dez anos engajado. Era 1939 e Luiz decide   esperar um navio para voltar a Pernambuco. Estava num batalhão de Guardas do Rio de Janeiro, quando um soldado lhe aconselhou:
- “Rapaz, com um instrumento desses aí; isso é dinheiro vivo, moço. Sei onde você com isso aí, pode levar seus cinquentões folgados”.
Era no Mangue, Rua Júlio do Carmo, esquina de Carmo Neto. “um fuzuê dos diabos”, conta Luiz.

Fonte:Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 2ª edição - 1977