sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

CARNAVAL - PARTE I




Para esquecer a rotina ou as  mágoas da vida diária, respondendo a um profundo desejo humano de expansão e liberdade, os homens inventaram o Carnaval, que é a mais antiga e universal manifestação de catarse coletiva. Dos mais bárbaros e primitivos aos mais civilizados, os homens sempre se permitiram, durante alguns dias, explosões de alegria na forma de desenfreada e efêmera loucura, muitas vezes ocultando, atrás das máscaras e fantasias, a própria personalidade, para cometer as maiores extravagâncias.
O uso de máscaras nas grandes festas já era um costume conhecido dos egípcios e dos hindus, mas foi, provavelmente, nas famosas bacanais gregas e nas saturnais romanas que elas se popularizaram. Nestas festas, ressalvados seus conhecidos excessos, o Carnaval ganhou algumas características com que o conhecemos até hoje, mantidas as peculiaridades de cada país, de cada região e de cada época.
Na Idade Média, eram conhecidas diversas manifestações carnavalescas, como a " Festas dos Inocentes" e  a " Festa dos Loucos".  Na França, já na  Idade Moderna,  uma  das  festas mais curiosas era a "Companhia  da  Mãe  Louca",  constituída  de  pessoas consideradas mais sérias e respeitadas, como professores, médicos , advogados, quando eram feitas sátiras dos costumes e eram evidenciados os escândalos políticos em divertidas paródias.
São famosos pelo requinte e pela elegância os  carnavais  de  Nice,  Cannes e Veneza, este célebre pela alegria  e graça com que se espalhava pelas ruas, pelas praças e pelas gôndolas que percorriam os canais, repletas de mascarados  despreocupados e bem trajados. Por maior que fosse a alegria, reinava a elegância, o respeito e o romantismo.




                                                                  O ENTRUDO

O entrudo foi o precursor legítimo do Carnaval no Brasil. Já mencionado nas atas da Câmara de  São Paulo, do dia 13 de fevereiro de 1604, durava três dias, destinando-se às festas populares que precediam a Quaresma.  Os participantes do entrudo, mascarados, percorriam as ruas da cidade acompanhados por bandas de música. Utilizavam-se de bisnagas, laranjinhas e limões de cera, seringas de folha-de-flandres comportando dois litros do líquido. Limões e laranjinhas explodiam ao atingir o corpo dos incautos, que ficavam molhados como conteúdo das bolas de cera.
O carnaval paulista teve início  em 1857, no bairro da Liberdade, com o grupo OS ZUAVOS. Tal grupo foi organizado na chácara que havia entre as ruas Américo de Campos e Barão de Iguape.
Os bailes carnavalescos de então eram verdadeiras bacanais, com a participação numerosa de mulheres da vida.  Começavam, via de regra, às vinte e uma horas. À meia-noite, a orquestra tocava o demoníaco galope, que imitava o correr de um trem, com toda sorte de instrumentos musicais, inclusive sinos e matracas. Os participantes endoideciam de vez, soba a música estridente, a correria no salão, beijos e abraços sensuais.





O corso era a nota dominante do carnaval de rua. Utilizavam-se, predominantemente, os carros abertos, que havia em profusão na época. Quando fechados, eram todos eles dotados de pára-lamas, propiciando aos foliões neles se aboletarem. Outros cavalgavam os dois enormes faróis dianteiros. Costumava-se ainda abrir o porta-malas traseiro, onde dois ou três foliões se acomodavam. Ao todo, cada carro comportava na parte  externa, até onze participantes: três em cada pára-lama, três no porta-malas e dois nos faróis.
O fato de se acomodarem bem ou mal, nos pára-lamas e faróis, era totalmente irrelevante. Permaneciam poucos segundos acomodados em cada local do veículo, que parava seguidamente, para que os foliôes brincassem com os ocupantes dos carros que vinham em direção contrária. Utilizavam-se confetes coloridos e serpentinas multicores, cujos rolos se desfaziam, envolvendo o rosto das damas dos carros próximos. O lança-perfume era acionado com leveza no corpo da mulher cortejada. A marca mais popular era o Rodo Metálico. Trazia um encanto especial às festas, tendo, em si, um agradável cheiro de carnaval, bem diferente do cheiro de suor e cerveja dos carnavais de hoje. Era um delicioso refrigério no calor dos salões e dos corsos.  Ensejava abordagens galanteadoras e simpáticas, com seus inesperados e perfumados jatos gelados. Lamentavelmente, era também aspirado em grandes quantidades, transformando-se muitas vezes num vício perigoso, uma vez que era fabricado à base de éter, o que acarretava sérios riscos para a saúde pública. Sua comercialização foi proibida pelo presidente Jânio Quadros, em 1961.Além do confete, da serpentina e do lança-perume, os foliões utilizavam-se de instrumentos musicais de sopro  ou de percussão, como pistons, sax, pandeiros, reco-recos, chocalhos, tamborins, agogôs, que acompanhavam as músicas carnavalescas, entoadas com grande entusiasmo. E as máscaras negras ou douradas, usadas com moderação e charme, muitas vezes sem aderirem ao rosto.


O corso realizava-se por toda a Avenida Paulista, nas duas direções, descendo depois a Avenida Angélica até a Praça Marechal Deodoro. Dali retornava ao ponto de origem. O corso se fazia nas tardes e nas noites de carnaval, de sábado a terça-feira. Era um espetáculo cheio de encanto, de alegria contagiante e pureza. Havia também um corso muito animado no Brás, rivalizando com o da Avenida Paulista. Iniciava-se na Avenida Rangel Pestana e ia até o Largo São José do Belém.
O corso em carros conversíveis terminou depois de 1930, com o advento do carro sedã.
Além do carnaval de rua, havia o carnaval de salão. Clubes como Paulistano, Hípia, Harmonia, Pinheiros,Tietê e Espéria comemoravam as festas de Momo, com orquestras afinadas e ornamentações vistosas nos salões. Fantasias coloridas agitavam-se, embaladas pelo ritmo, cheias de plumas, lantejoulas, miçangas e vidrilhos, pulando e dançando, festejando um mundo de sonhos e alegria.



Os românticos Pierrôs, as volúveis Colombinas e os tristonhos Arlequins eram os personagens-símbolo do Carnaval. Faziam muito sucesso também as bonitas fantasias de odaliscas, mosqueteiros, toureiros, espanholas, piratas e havaianas.





Nos clubles, os cavalheiros que não se fantasiavam compareciam usando summer ou smoking e algumas mulheres trajavam elegantíssimos vestidos de noite.  Bermudas e camisetas? Nem pensar.
Os bailes públicos  realizavam-se no Odeon, tradicional cinema da rua da Consolação,  e no Municipal. O Odeon, durante os festejos de Momo unia a suas três salas, com três orquestras a tocar marchinas e sambas. Foi proibido o uso da máscara e, com isso, desapareceu o dominó. Nunca mais se ouviu a frase "você me conhece", com a máscara no rosto. Com o sumiço do dominó, diminuiram os arlequins e poli chinelos.



O Carnaval brasileiro teve início no Rio de Janeiro, há mais de século. A primeira música que se considerou carnavalesca, de autoria do ator Francisco Correia Vasques, data de 1869, baseada numa peça francesa, " Les Pompiers de Nanterre". Veio depois " Viva Zé Pereira", de domínio público, que integra o nosso cancioneiro. Teve esse nome em razão do apelido dada a um português festeiro, José Nogueira de Azevedo Paredes. Num dia de 1846, saiu ele com amigos pulando, tocando zabumba, cantando, estremecendo e agitando as ruas então tranquilas do Rio de Janeiro.
Outro grande sucesso foi a marchina "Ó Abre Alas", de Chiquinha Gonzaga, feita para o cordão Rosa de
Ouro, que saía num subúrbio do Rio, que seria cantada por multidões a partir de 1899.

                                                                   Ó abre alas
                                                                   que eu quero passar
                                                                   Ó abre alas
                                                                   que eu quero passar
                                                                   Eu sou da Lira
                                                                   Não Posso negar
                                                                   Eu sou la Lira
                                                                   não posso negar.
                                                                   Ó abre alas
                                                                    que eu quero passar
                                                                    Ó abre alas
                                                                    que eu quero passar
                                                                    Rosa de Ouro
                                                                    é que vai ganhar
                                                                    Rosa de Ouro
                                                                    é que vai ganhar

Depois que o Zé Pereira surgiu, cordões e blocos principiaram a se organizar para sair na rua.   Os negros passaram a participar, com seus cantos e danças de candomblé. Até intelectuais como José de Alencar e José do Patrocínio, misturavam-se à multidão para brincar o carnaval.
A moçoila pobre da favela gastava o salário de três meses para fazer a sua fantasia de rainha ou de princesa. Valia a pena o sacrifício, pois durante os dias do Reinado de Momo era ela figura de grande destaque, na passarela ou nos salões. Como porta-bandeira, abre-alas, rainha da bateria, passista ou figura de destaque atraía atenções, arrancava aplausos, enchendo o seu "ego" para os restantes trezentos e sessenta dias do ano.

fonte: Meu São Paulo? ... Nunca Mais! -Paulo José da Costa jr. - capítulo 5 - Carnavais de Outrora
fotos: google- imagens